Teologia do Corpo (Apresentação)

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Apresentação



A «Teologia do Corpo» é hoje em dia um corpo doutrinal muito concreto e consistente que tem na sua origem as catequeses de quarta­‑feira que o Papa João Paulo II proferiu desde 1979 até 1984. Há depois uma série de outros textos do magistério do Papa João Paulo II, como a Familiaris Consortio (1982), a Mulieris Dignitatem (1988), a Carta às Famílias (1994), mas também é necessário incluir a Encíclica de Bento XVI Deus Caritas est (2005) como um texto fundamental para se perceber o valor e a dignidade que a Igreja confere ao amor, ao corpo, à sexualidade.
Estas catequeses que agora apresentamos e que constituem o início deste corpo doutrinal têm como objectivo aprofundar a concepção cristã do amor humano e em particular do amor matrimonial a partir da qual se poderá enquadrar a ética cristã. Para explicar o amor humano e o matrimónio é, porém, necessário começar por olhar para a pessoa humana, descobrir o significado profundo do facto de que cada um de nós é um corpo e mais do que um corpo, e perceber o sentido da diferença sexual e do chamamento original a viver o amor como dom de si para construir uma comunhão de pessoas.
João Paulo II parte dos diálogos de Jesus com os seus contemporâneos para explicar o sentido profundo da vontade original do Criador, tal como vem explicado nos relatos do livro do Genesis. Para se perceber o que Deus pensou quando criou o homem e a mulher precisamos de olhar para esses textos, lê­‑los dentro da tradição da Igreja e tentar percebê­‑los, não apenas como relatos de acontecimentos passados, mas como explicação do que é a pessoa de cada um de nós.
Ao todo são 129 catequeses nas quais João Paulo II, seguindo um programa que ainda antes de ser Papa tinha preparado como um possível livro, em diversos ciclos, vai apresentando aquilo que, no dizer de Paulo VI, constitui uma «antropologia adequada» (Humanae Vitae 7) para se perceber, de seguida, a moral cristã. É convicção profunda de João Paulo II que, antes de explicar a moral, antes de dizer o que devemos ou não devemos fazer, temos de entrar no mistério da pessoa humana criada à imagem e semelhança de Deus e desse modo perceber também o que é o amor, a família, a sexualidade, o corpo. Só então faz sentido e se percebe porque é fundamental a fidelidade no casamento, porque é importante que numa relação de amor o outro não seja tratado como uma coisa que se possui mas como alguém a quem eu me posso dar. E, por isso, também nessa altura se percebe o valor das relações sexuais, da importância destas serem capazes de espelhar o amor entre o homem e a mulher que se unem fisicamente, vislumbrar o mistério da origem de cada um de nós e perceber que Deus quis que cada nova pessoa fosse fruto do acto de união dos pais que se torna como que o sacramento da união das suas vidas no amor. A questão da contracepção, o problema da homossexualidade, a procriação artificial, o tema das relações sexuais antes do casamento ou fora do casamento, tudo isso ficaria muito estranho se não tivéssemos antes descoberto que há um sentido para tudo e que viver segundo o plano de Deus é a melhor forma de nos conseguirmos realizar como pessoas e sermos felizes.
Para se perceber a pessoa humana é preciso descobrir o plano inicial de Deus, aquilo que «desde o princípio» (Mt 19, 8) Deus quis para o ser humano. Mas não podemos ficar por aí. Há uma história onde a liberdade humana se rebelou e, na desobediência, se afastou do plano de Deus. O pecado das origens explica porque hoje não nos é evidente o plano de Deus. Nós sentimos as suas consequências nos desejos desordenados que nos levam a querer usar os outros em vez de nos darmos aos outros. O pecado, porém, não é a última palavra. O Papa quis, explicitamente, que a sua apresentação do amor no plano de Deus fosse compreendida como a explicação da redenção do corpo e da sacramentalidade do matrimónio» (catequese do dia 28 de Novembro de 1984). Como foi uma tónica recorrente, o Papa quis também com estas catequeses colocar­‑nos diante de Jesus Cristo, redentor do homem. A partir da Redenção abre­‑se, então, a porta para perceber a vocação do homem a viver a eternidade, também corporalmente, com Deus. Não só se recupera o plano e Deus deixa de ser um sonho para passar a ser um caminho possível, como ainda se abrem as portas do Céu. A ressurreição da carne e a vida eterna são compreendidas como a continuação da experiência do amor redimido que Jesus nos oferece desde já e que, no sacramento do matrimónio, se torna um acontecimento neste mundo, ainda que seja apenas uma antecâmara da comunhão com Deus no Céu.
A primeira catequese das 129 é proferida no dia 5 de Setembro de 1979, menos de um ano depois de ter sido eleito Papa e coloca­‑se em ligação com o Sínodo dos bispos sobre a família, que começaria em Roma, umas semanas depois. A última catequese deste corpo é de 28 de Novembro de 1984. Pelo caminho houve um intervalo grande, durante o Ano Santo da Redenção de 1983, no qual o Papa dedicou as quartas­‑feiras aos temas da Redenção. Houve ainda vários intervalos devido às viagens do Papa e, não esqueçamos, que no dia 13 de Maio de 1981, que era uma quarta­‑feira, o Papa sofreu um atentado quando estava para começar mais uma catequese deste ciclo e que, por isso, só retomou o ritmo normal no dia 11 de Novembro desse mesmo ano.
Segundo o esquema que o próprio Papa explica na sua última catequese, é possível dividir este conjunto de catequeses em duas partes. «A primeira parte é dedicada à análise das palavras de Cristo, que são pertinentes para abrir o tema. Estas palavras foram analisadas longamente na globalidade do texto evangélico: e após a análise que durou vários anos achou­‑se conveniente pôr em relevo os três textos que foram submetidos a uma análise exactamente na primeira parte das catequeses. Em primeiro lugar o texto em que Cristo se refere «ao princípio» no colóquio com os fariseus sobre a unidade e a indissolubilidade do matrimónio (Mt 19, 8; Mc 10, 6­‑9). De seguida, as palavras pronunciadas por Cristo no Sermão da Montanha sobre a «concupiscência» como «adultério cometido no coração» (Mt 5, 28). Por fim, as palavras transmitidas por todos os sinópticos, em que Cristo faz referência à ressurreição dos corpos no «outro mundo» (Mt 22, 30, Mc 12, 25; Lc 20, 35).» (28/11/1984)
Estas catequeses são proferidas até ao dia 21 de Julho de 1982. Na semana seguinte começa a segunda parte «dedicada à análise do sacramento a partir da Carta aos Efésios (Ef 5, 22­‑33) que se refere ao «princípio» bíblico do matrimónio expresso nas palavras do livro do Génesis: «...o homem deixará o seu pai e a sua mãe e se unirá à sua mulher e os dois serão uma só carne» (Gn 2, 24).» (28/11/1984)
Como todos os textos dos Papas houve rapidamente uma tradução portuguesa das catequeses cujo original era em italiano (ainda que houvesse, como hoje em dia se sabe, um texto polaco que servia de base). Essa tradução que apareceu no Jornal do Vaticano não era, porém, de grande qualidade, feita um pouco à pressa e sem a atenção necessária a algumas expressões teológicas muito concretas, fazendo com que, por vezes, aquilo que em italiano era uma expressão quase científica, acabasse por ser traduzida de diversas formas. Tudo isso teve agora de ser revisto.
É bom poder trazer agora ao público português estas catequeses. Ler estes textos, aprofundar o que aqui é dito, num estudo cuidado e sempre acompanhado pela Bíblia e pelo Catecismo da Igreja Católica, ajudará a perceber o que cada um de nós é no plano de Deus, e o que Jesus Cristo faz para nos salvar. Será de ajuda, como já tem sido, a muitos casais, servirá de base para cursos de noivos, para uma pastoral juvenil que não queira ser apenas entretenimento mas que arrisque em levar o Evangelho até ao coração dos jovens abordando não em tom polémico, mas através do recurso às raízes teológicas e espirituais, o que é a doutrina da Igreja sobre o amor, sobre a sexualidade, sobre a procriação. Se estamos em tempos de Nova Evangelização, temos de levar Cristo onde as pessoas vivem. É aí que a verdade e a luz de Cristo fazem sentido. A sexualidade, o amor, o corpo, o casamento ou a consagração na virgindade são realidades que, se não forem evangelizadas, se perdem num mundo cheio de solicitações. A «Teologia do Corpo» tem estado, um pouco por todo o mundo, na base de inúmeras experiências de evangelização de jovens e menos jovens, de famílias e celibatários, de leigos e de pessoas consagradas. Como tudo o que tem por objectivo último fortalecer a nossa relação com Deus, não se tente estudar estas catequeses sem que elas sejam, ao mesmo tempo, ocasião para rezar, para nos colocarmos diante de Deus como mendigos de sentido e agradecidos pelos seus contínuos dons que nos podem, por vezes, parecer exigentes mas que são o único verdadeiro caminho para vivermos plenamente a nossa humanidade.
Porque o texto pode, por vezes ser complexo, propomos como introdução um artigo do bispo Jean Laffite, actual Secretário do Conselho Pontifício da Família e autor de diversos livros sobre a família cuja paixão nasceu no contacto com João Paulo II e com a sua constante atenção pastoral pela família.
A leitura da introdução não dispensa, mas esperemos que ajude, a leitura dos próprios textos de João Paulo II. Estes podem ser lidos em grupos de estudo, podem ser a base para um aprofundamento teológico de quem quer estudar a fundo a doutrina da Igreja sobre a pessoa humana, sobre o amor e sobre a família e podem, também, ser estudados pessoalmente por todos os que querem descobrir melhor a própria vocação e perceber que só o amor, que envolve a pessoa inteira, corpo e alma, é capaz de realizar a felicidade que Deus nos promete.


A equipa responsável por esta edição,
Pe. Miguel Pereira
Pe. Jorge Sobreiro
Maria José Vilaça
Mons. Duarte da Cunha


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