Introdução "Que fazes aí fechada?"

Publié par Afonso Reis Cabral le

INTRODUÇÃO

Esta não foi a minha primeira peregrinação. Mas foi a mais longa.

Durante mais de um ano tive sempre na mente a realidade da vida consagrada, a vida das milhares de mulheres que se entregam totalmente ao serviço de Deus e da sua Igreja.

Estive em meia dúzia de cidades, falando com freiras e monjas que representam Portugal de Norte a Sul e até explorei a realidade de uma mulher que chegou à vida consagrada depois de ter crescido num país em que a própria religião era proscrita, que pensava que os padres eram coisa do tempo dos reis mas desconhecia que tanto uns como outros continuavam a existir para lá das fronteiras da Albânia.

Não escondo que este livro tinha um objectivo que era desmistificar algumas das ideias feitas que existem sobre as mulheres que optam pela vida religiosa. Isto precisamente no ano em que a igreja dedicou à vida consagrada. Procurei, por isso, irmãs sobretudo novas, com uma história de vida interessante, cativante. Mas acabei a minha peregrinação com a certeza de que, por cada história que ajudei a contar, há dezenas de outras que continuam por descobrir. Esta era uma viagem que não tinha de acabar, poderia ter continuado indefinidamente, e espero ainda durante a minha vida descobrir muito mais histórias para além destas. Por uma questão de simplicidade, a Igreja costuma apresentar as vocações como se fossem uniformes. Há quem seja chamado à vida religiosa, há pessoas que têm vocação para casar e ainda alguns casos excepcionais de pessoas que se consagram sem se tornarem religiosos convencionais, como acontece em alguns movimentos.

Mas a realidade, claro está, é mais complexa. Tanto a irmã Irene como a irmã Ana, ambas neste livro, são freiras, mas as suas vocações foram, e são, radicalmente diferentes. É assim com cada um de nós, seja qual for a vida que Deus nos chama a levar.

Se há coisa que compreendi ao longo desta peregrinação ao coração da vida consagrada, é que o cristianismo é uma religião de relação. Há regras, há normas, há cânones, há tudo isso... Mas se não assentam sobre uma relação pessoal com Deus, com Jesus Cristo, são como o bronze que ressoa, para usar um termo evangélico.

E se isso é verdade, então não pode haver chamamentos uniformes, regimentais. Cada chamamento, cada vocação, nasce de uma relação única e individual, entre uma mulher, neste caso, única e irrepetível e um Deus que a conhece melhor do que ela se conhece a si mesma.

E visto por este prisma, a oportunidade que me foi dada de poder conhecer a história destas mulheres não pode ser vista como um trabalho, nem como um serviço, pois é acima de tudo um enormíssimo privilégio. Porque ao contarem‐me como sur‐ giram as suas respectivas vocações, como as vivem na procura constante de intensificar essa relação de intimidade com Deus, estão a deixar‐me vislumbrar aspectos de uma história incrivelmente pessoal.

Mas é precisamente porque essa é também uma história de enorme felicidade e realização que todas elas, uma vez aceite o meu desafio, precisaram de pouco incentivo para me contar os detalhes desse seu percurso. Reconheço o entusiasmo como aquele que eu próprio sinto quando conto aos outros como conheci e me apaixonei pela Ana, com quem mais tarde casei e constituí família. Reconheço porque são histórias paralelas, ambas alimentadas por dedicação e momentos de paixão, mas sobretudo por amor.

E concluo assim, porque uma história que se quer cristã não pode acabar de outra maneira. Este foi um ano de peregrinação a conhecer histórias de amor. Histórias únicas, apaixonantes, irrepetíveis, como são todas as histórias de amor.


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