Insondáveis Sondagens (excerto 1º cap)

Publié par Hugo Neves le

ENQUADRAMENTO

Os dias de hoje

 

Num tempo de descrença do povo com os seus políticos, não podemos negar que falar de política é, hoje, um exercício de enorme faísca social e gerador de emoções por vezes acaloradas e, até mesmo, revoltadas.

Este regime como o conhecemos vive tempos de grande indefinição. Não são apenas os ecos da rua, das «redes» ou das conversas que temos no café. Embora o sistema político em Portugal mostre uma enorme resistência à mudança, todos sentimos de perto ou de longe que a Democracia, conforme a conhecemos, está em mutação. É de longe a forma que menos erra entre aquelas que a Humanidade já tentou e testou, por vezes, com o custo de muitas vidas. A Democracia é imperfeita, é certo, com as suas vicissitudes e as suas artimanhas. Tal como existe, não vive sem partidos, mas tende a adaptar-se a uma nova forma de estar de cada cidadão no modo como olha para a política e para os políticos. Porque, hoje, são muitas as realidades e os actores que emergem além dos partidos, embora estes continuem a ter uma posição dominante no sistema. A evolução na forma de se fazer jornalismo (nem sempre no melhor sentido), o uso das novas tecnologias que permitem uma comunicação constante, a disponibilização de várias plataformas digitais, o acesso cada vez maior, por parte dos cidadãos, à antena aberta das televisões e das rádios, são apenas alguns exemplos de canais que permitem dar «voz» às pessoas e que, na maioria dos casos, amplificam o seu descontentamento em relação à política e aos políticos.

É por isso que nesta época de desgaste político, importa, mais do que nunca, reafirmar que «todos somos políticos» ou não vivêssemos em sociedade. Sim, a verdade é essa, mesmo que custe a quem desdenha ou faz da crítica uma constante diária. O que varia é a intensidade que cada cidadão dá ao exercício de cidadania e de política. 

Todos temos direito ao voto. É um direito que se adquire aos 18 anos, reforçado com o recenseamento automático. Depois o que pode variar é a ida ou não às urnas e consequente uso deste direito. Em Portugal não existe uma obrigatoriedade de votar. Daí os níveis elevados de abstenção que temos vindo a conhecer nas eleições recentes. Olhemos para o caso das últimas eleições europeias de 2014. A abstenção chegou aos 66,2%, ultrapassando a fasquia dos 65%. É extraordinário o alheamento e a insatisfação da nossa população. Será apenas isso que justifica tamanha abstenção? Muitas são as justificações, mas a verdade é que a abstenção é um dado importante no contexto do sistema político português e, acima de tudo, é um factor de distorção no resultado das sondagens, como confirmaram os vários especialistas desta área que deram o seu testemunho para este livro. 

Além das europeias de 2014 já aqui referidas, observemos o caso das eleições para a Assembleia da República e constatamos, também, que a evolução da abstenção é preocupante. 

 

Anos

Eleitores

Total

Votantes

Abstenção

+-1975

6.220.784

5.693.905

526.879

1976

6.583.311

5.485.593

1.097.718

1979

6.898.589

6.007.004

891.585

1980

7.108.987

6.028.601

1.080.386

1983

7.344.032

5.713.873

1.630.159

1985

7.812.770

5.801.790

2.010.980

1987

7.928.687

5.672.824

2.255.863

1991

8.509.911

5.735.434

2.774.477

1995

8.911.733

5.900.277

3.011.456

1999

8.857.173

5.406.946

3.450.227

2002

8.879.561

5.473.631

3.405.930

2005

8.934.140

5.750.354

3.183.786

2009

9.514.322

5.683.967

3.830.355

2011

9.624.133

5.588.594

4.035.539

 

Quadro 1 - Eleitores nas eleições para a Assembleia da República: total, votantes e abstenção - Portugal

Os números apontam para um distanciamento, sempre em crescendo, dos eleitores em relação às urnas. Desde a eleição de António Guterres, em 1995, e consequente saída de Aníbal Cavaco Silva do cargo de primeiro-ministro, que o número de eleitores que se abstiveram ultrapassou a marca dos três milhões de portugueses. 

Mas, no momento que Portugal viveu em 2011, em pré-bancarrota, com um pedido de ajuda externa em mãos, um duelo de enorme crispação entre o então primeiro-ministro José Sócrates e Pedro Passos Coelho, na altura líder da oposição, foram mais de quatro milhões de portugueses que, por diversos motivos, nem se dignaram a votar no seu futuro. Ou por morte, ou por doença, ou por insatisfação, ou por comodismo, ou pela dificuldade de votar em caso de emigração, ou simplesmente por falta de vontade, a abstenção merece uma reflexão dos agentes políticos. 

Não é linear que a solução seja apresentar cadeiras vazias, como Rui Rio veio um dia defender, apesar de estar a pensar nos votos em branco e nulos. Mas não deixa de ser preocupante que também estes números aumentem de eleição em eleição. Ao contrário da abstenção, nos votos nulos e brancos poderemos estar perante um acto de protesto activo. 

Mas se este é o cenário para a eleição dos nossos representantes à Assembleia da República, o cenário não é mais animador no caso do Alto Cargo da Nação, o Presidente da República. 

 

Anos

Eleitores

Total

Votantes

Abstenção

1976

6.477.484

4.885.624

1.591.860

1980

6.921.917

5.831.369

1.090.548

1986

7.586.961

5.935.294

1.651.667

1991

8.222.654

5.097.099

3.125.555

1996

8.707.886

5.779.227

2.928.659

2001

8.931.969

4.468.442

4.463.527

2006

9.022.346

5.550.105

3.472.241

2011

9.656.797

4.492.297

5.164.500

 

Quadro 2 - Eleitores nas eleições para a Presidência da República: total, votantes e abstenção - Portugal

Neste caso, o grau de abstenção tem, para lá de todas as justificações acima mencionados, o «normal» alheamento em momentos de eleição de segundo mandato dos presidentes. Se com António Ramalho Eanes o segundo mandato foi mais concorrido, os números demonstram que quer com Mário Soares, quer com Jorge Sampaio, quer ainda com Aníbal Cavaco Silva, as pessoas não sentiram tanta necessidade de ir às urnas para reconfirmar uma vitória que se esperava. 

Mas podemos voltar a afirmar que uma grande parte dos eleitores portugueses não sentiu proximidade com o que representam estes actos eleitorais plasmados nos quadros atrás. Pode ser uma boa justificação, mas, se olharmos para a abstenção das eleições que, em teoria, aproximariam mais os eleitores dos eleitos, neste caso as autárquicas, percebemos que os números desoladores da abstenção não fogem desta realidade. 

 

Anos

Eleitores

Total

Votantes

Abstenção

+-1976

6.460.528

4.170.494

2.290.034

1979

6.761.751

4.987.734

1.774.017

1982

7.185.284

5.131.483

2.053.801

1985

7.593.968

4.852.563

2.741.405

1989

8.121.045

4.946.196

3.174.849

1993

8.530.297

5.408.119

3.122.178

1997

8.922.182

5.362.609

3.559.573

2001

8.738.906

5.254.180

3.484.726

2005

8.840.223

5.390.571

3.449.652

2009

9.377.343

5.533.824

3.843.519

2013

9.501.103

4.998.005

4.503.098

 

Quadro 3 - Eleitores nas eleições para as Autarquias Locais: total, votantes e abstenção - Portugal

Ora, se nem sobre o destino das nossas cidades e freguesias, da nossa rua, existe uma diminuição de abstencionistas, se calhar é mesmo tempo de voltar a pensar que a Democracia só se faz e se efectiva com a participação do povo. 

 

 


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