Churchill (1.º capítulo)

Publié par Hugo Neves le

CAPÍTULO 1

UM JOVEM EM ASCENSÃO

 

De entre as figuras que se impuseram no século xx, fosse para o bem ou para o mal, Winston Churchill foi a mais importante para a humanidade, e foi também a mais amável de todas. É uma alegria escrever a biografia de Churchill, como o é também ler coisas sobre ele, pois não há outra personalidade da qual se possam extrair tantas lições, em especial para a juventude: a tirar partido de uma infância difícil; a aproveitar ao máximo todas as oportunidades, físicas, morais e intelectuais; a ousar em grande, para reforçar o êxito e ultrapassar os inevitáveis fracassos; e a ter ambições elevadas, aplicando­‑lhes toda a energia e paixão, sem deixar de cultivar a amizade, a generosidade, a compaixão e a elevação moral.
Ninguém contribuiu como Winston Churchill para a preservação da liberdade e da democracia, bem como dos valores que nós, os ocidentais, mais apreciamos. Ninguém como ele proporcionou ao público tantos momentos de interesse, com os seus altos e baixos, a sua nobre oratória, os seus escritos e frases de enorme impacto, os seus ataques de fúria, os seus raios de génio. Winston Churchill ocupou um lugar proeminente no palco de Inglaterra e do mundo durante mais de sessenta anos, e a sua morte deixou uma sensação de vazio. Desde então, mais ninguém conseguiu combinar de forma tão feliz uma tão notável variedade de papéis. Como pôde este homem fazer tanto, durante tanto tempo, e com tal eficácia? Certa vez, era ele ainda um jovem político, ficou sentado à mesa de um jantar ao lado de Violet Asquith, a filha do então ministro das Finanças; em resposta a uma pergunta que Violet lhe fez, declarou: «Somos todos vermes. Mas, por mim, acho que sou um verme que brilha.» Porque foi então que ele brilhou tão intensamente? Investiguemos.

* * *


Winston Leonard Spencer Churchill nasceu a 30 de Novembro de 1874. Era filho de Lord Randolph Churchill, o filho mais novo do 7.º duque de Marlborough, e de Jennie, a segunda das quatro filhas de Leonard Jerome, financeiro de Chicago e Nova Iorque. Era para ter nascido em Londres, na mansão de Mayfair em que o jovem casal se tinha instalado e onde estava tudo preparado para o feliz evento. Acontece que, numa visita que fez ao Palácio de Blenheim, a casa de família de Lord Randolph, Jenny deu uma queda e o filho acabou por nascer dois meses antes do tempo, numa sala do rés­‑do­‑chão do palácio, arranjada à pressa para o efeito. Ficavam já assinaladas as notas características deste homem: o inesperado, a pressa, o risco, o perigo e o dramatismo.
As dores de parto duraram oito horas e exauriram a mãe, mas o filho era «muito saudável», além de «maravilhosamente lindo». Tinha o cabelo ruivo, «da cor de um putter de bronze», a pele clara e rosada, e pulmões resistentes. Mais tarde, haveria de se gabar de ter uma pele excepcionalmente delicada, o que o impedia de usar, junto ao corpo, outra coisa que não fosse seda; afirmaria que nunca, em toda a sua vida, tinha tido ou usado pijama. À semelhança da mãe, era activo, impulsivo e propenso a acidentes; mas, ao longo de toda a sua vida, que foi longa, nunca teve grandes doenças orgânicas. Embora tivesse ensurdecido na velhice, não sofreu de quaisquer deficiências, à excepção de um ligeiro ciciar (quase impossível de detectar nas gravações de voz); por esta razão, tinha muito cuidado com os dentes, tendo frequentado o melhor dentista do seu tempo, Sir Wilfred Fish, que era quem lhe desenhava as dentaduras, depois feitas por Derek Cudlipp, um técnico de grande renome. (As dentaduras de Winston Churchill foram preservadas no Museu do Real Colégio de Cirurgiões.) Tinha imenso cuidado com a saúde, tendo escolhido, assim que lhe foi possível, um médico pessoal, Charles McMoran Wilson, que depois fez ascender à categoria de Lord Moran (Fish foi nomeado cavaleiro). Churchill comia com gosto, em especial carne, solha e ostras; e, embora consumisse diariamente enormes quantidades de whisky ou de brandy, muito diluídos com soda ou água, ao morrer tinha o fígado como o de uma criança. Churchill era capaz de esforços enormes, quer físicos, quer intelectuais, de grande intensidade e durante longos períodos, dormindo muitas vezes pouco; mas dedicava­‑se a períodos correspondentes de repouso, preenchidos com uma multiplicidade de actividades aprazíveis, para além de ter o dom de dormir curtas sestas quando a sua agenda lho permitia. Sempre que possível, passava a manhã na cama, ao telefone, a ditar documentos e a receber visitas. Em 1946, tinha eu dezassete anos, tive a sorte de lhe fazer uma pergunta: «Sr. Churchill, a que atribui o sucesso que teve na vida?» Ao que ele respondeu sem hesitar: «À conservação da energia. Nunca se levante se pode estar sentado, nunca se sente se pode estar deitado.» Dito isto, meteu­‑se dentro da limusina.
Esta criança saudável e vivaz foi o mais velho dos dois filhos de um casal notável. O pai, Lord Randolph Churchill (1849­‑1895), frequentou Eton e o Merton College de Oxford, tendo representado no Parlamento o círculo eleitoral da família, Woodstock, que ficava situado perto do Palácio de Blenheim, durante o decénio de 1874­‑85; após essa data e até à sua morte, foi deputado por South Paddington. Teve uma carreira política meteórica, turbulenta e pontuada por contendas espectaculares. Juntamente com uns quantos colegas descontentes, fundou um grupo de pressão destinado a exigir uma oposição mais vigorosa à maioria liberal (1880­‑84), e à defesa daquilo a que chamava a «democracia conservadora»; no entanto, quando lhe perguntavam de que lado estava, costumava responder em privado: «Principalmente do lado do oportunismo.» Opôs­‑se à política de autonomia da Irlanda propugnada por Gladstone, que teria obrigado o Ulster protestante a submeter­‑se à maioria católica irlandesa, com uma inflamatória palavra de ordem:
«O Ulster opõe­‑se – e o Ulster tem razão.» Era um extraordinário orador: a meio da década de 1880, era um dos quatro políticos cujas intervenções os correspondentes da Agência Noticiosa Central tinham ordens para reproduzir na íntegra; os outros três eram o próprio Gladstone, Lord Salisbury, o líder dos conservadores, e o dinâmico imperialista radical que foi Joseph Chamberlain. Os anos de 1885­‑86 assinalaram o auge da carreira de Lord Randolph, que foi primeiro secretário de Estado da Índia e depois, durante seis meses, ministro das Finanças. Contudo, enquanto preparava o seu primeiro Orçamento de Estado, teve uma terrível dissensão sobre a despesa com o primeiro­‑ministro; Lord Salisbury foi apoiado pelos restantes membros do governo e Lord Randolph demitiu­‑se, tendo vindo a descobrir que cometera um exagero grotesco quanto à sua própria importância – era caso para dizer que o cão ladrava e a caravana passava –, um erro do qual nunca recuperou. Ao mesmo tempo, começou a padecer de uma doença misteriosa e progressiva; há quem pense que se tratava de sífilis, outros julgam que era uma forma de corrosão mental herdada da família da mãe, os marqueses de Londonderry. Os seus discursos começaram gradualmente a tornar­‑se confusos, hesitantes, dolorosos de ouvir, até que, em 1895, a morte correu uma piedosa cortina sobre esta carreira destroçada. Winston tinha apenas vinte anos quando o pai morreu, e foi profundamente afectado por esta fase final trágica, tendo exorcizado o fantasma através da escrita de uma biografia magnífica, em dois volumes, que transformou o pai numa das grandes personagens trágicas da história política de Inglaterra. Uma das coisas que Winston mais lamentava era o facto de ter conhecido tão mal o pai, que primeiro andava extremamente ocupado, e depois ficou profundamente afectado pela doença; Churchill lembrava­‑se, palavra por palavra, de todas as conversas pessoais que tivera com ele.
Aquilo que Winston herdou de seu pai, tanto qualidades como defeitos, é matéria de opiniões diversas. A meu ver, não herdou grande coisa; com efeito, pouco havia nele dos Churchills, que eram, de uma maneira geral, uma gente comezinha. O próprio fundador da família, John, o 1.º duque de Marlborough, poderia, na opinião do rei Carlos II – um fino conhecedor da natureza humana –, ter prosseguido uma pacata vida de cavalheiro rural, não fosse a notável e ambiciosa mulher com quem se casou, Sarah Jennings, tê­‑lo instado à acção. De entre os sucessores de John, nenhum alcançou distinção; houve sete duques, cinco dos quais foram vítimas de depressão patológica. É certo que Winston tinha períodos de grande quebra anímica, a que chamava «o Cão Preto», mas eram períodos de tristeza provocados por reveses da fortuna, que eram rapidamente ultrapassados por uma actividade vigorosa. Ao longo da sua carreira, o extremismo e as opiniões de seu pai foram muitas vezes referidos contra ele por terceiros, e houve umas quantas ocasiões em que também ele foi longe de mais, sendo depois implacavelmente punido. De uma maneira geral, contudo, Winston aprendeu com os erros de Lord Randolph, e evitou viver à beira do precipício. Não houve nunca nele quaisquer indícios da quebra mental que tomou lentamente conta de seu pai; mau grado o declínio físico, Winston manteve­‑se na posse de todas as suas capacidades até aos oitenta e muitos anos.
Foi da mãe que Winston derivou as suas principais características: a energia, o amor pela aventura, a ambição, um intelecto sinuoso, o calor humano, a coragem e a resistência – e uma profunda paixão pela vida, em todos os seus aspectos. O objectivo de ser o mais importante político de Westminster era uma projecção masculina do intenso desejo que ela tivera de ser uma dama desejável de Mayfair, título que conservou durante mais de uma década, e não apenas devido ao facto de ser imensamente atraente, de cara e de corpo, mas porque falava, porque se ria, porque dançava e se movia de forma quase diabolicamente mágica. Mais tarde, viria a dizer: «Nunca me habituarei a não ser a mulher mais bonita de qualquer grupo.» Era uma embriaguez por saber que, onde entrasse, todos os homens se voltariam para ela. Além disso, era muitíssimo americana: tinha a convicção de que não havia limites, de que tudo era possível, de que, quando a ambição assim o exigisse, se podia e devia ignorar a tradição, os precedentes, a maneira «adequada» de fazer as coisas. Adorava correr riscos, e não ficava a lamentar­‑se – pelo menos durante muito tempo – quando os resultados não eram os esperados. E transmitiu tudo isto ao filho mais velho (o irmão mais novo de Winston, Jack, desde sempre educado para ficar em segundo plano, era muito mais parecido com os Churchills), a quem habituou a ser o centro de todas as conversas. A meio da década de 1870, os Churchills tiveram de se exilar em Dublin, porque Lord Randolph – como era seu costume – teve uma violenta discussão com o irmão mais velho por causa de uma mulher, malquistando­‑se com o príncipe de Gales. O duque de Marlborough, pai de Lord Randolph, teve de ser apressadamente nomeado vice­‑rei da Irlanda, e foi para lá que os Churchills se deslocaram até a tempestade acalmar, electrificando o Castelo de Dublin. A mais antiga recordação de Winston era do avô – o então vice­‑rei – a discursar à elite no pátio do castelo sobre o tema da guerra. Winston estava poucas vezes com os pais, quer então, quer depois. A principal figura da sua infância foi Elizabeth Anne Everest (1833­‑1895), a ama, uma mulher de Kent, de extracção humilde, que o amava apaixonadamente, e que ele tratava por «Woomany» ou por «Woom»; as cartas que a Sra. Everest lhe escreveu são testemunhos comoventes da época. Winston correspondia a este afecto, tendo­‑se­‑lhe referido em Savola, romance no qual introduziu um intenso elogio às virtudes e à lealdade dos criados de família. Foi graças à existência e ao amor desta mulher que Winston – que podia ter tido uma infância desastrosa e destrutiva – acabou por ter uma infância razoavelmente feliz.
A relação Everest­‑Winston foi um dos melhores episódios da vida de Churchill. A ama animou­‑o e reconfortou­‑o durante a sua vida escolar, de uma maneira que a mãe não era capaz, ou não estava disposta a fazer, detectando nele o génio e a natureza amistosa. E ele correspondeu fazendo dela a mais íntima confidente de todas as suas angústias. Winston achou que os pais a tinham tratado com mesquinhez, mandando­‑a embora assim que tinham deixado de precisar dela, e condenando­‑a por isso a uma vida de pobreza. Embora fosse ainda um adolescente, fez tudo o que estava ao seu alcance para lhe aliviar as privações, e posteriormente enviava­‑lhe dinheiro sempre que podia. Acompanhou­‑a na agonia e levou Jack consigo ao funeral; mandou colocar uma pedra tumular gravada na sepultura, e pagava uma quantia anual a uma florista da terra para a manter bem cuidada.
Winston amava os pais com o amor ilimitado e irracional de uma criança, depois adolescente, apaixonada. Eles, porém, desiludiam­‑no a toda a hora, pela sua ausência, pela sua indiferença, e pelas suas censuras. Não sendo naturalmente bom aluno, tinha umas notas medíocres, e o pai não tardou a considerá­‑lo um fracasso académico. Não tendo o rapaz conseguido grande êxito no colégio, Lord Randolph decidiu não o mandar para Eton, achando que lhe faltava inteligência para tal; de maneira que optou por mandá­‑lo para Harrow. Certo dia, foi fazer uma visita ao quarto do filho, que tinha em exibição a sua colecção de soldadinhos de chumbo; eram mais de mil, organizados como divisão de infantaria, com uma brigada de cavalaria. (Jack tinha um exército «inimigo», mas estes soldados eram todos negros e não estavam autorizados a usar artilharia.) Lord Randolph inspeccionou as tropas de Winston e perguntou­‑lhe se ele estaria interessado em ir para o exército, considerando que «ele não vai além disto»; pensando que o pai estava a perguntar­‑lhe se ele antevia uma vida de glória e de vitórias, na tradição dos Marlboroughs, Winston respondeu com um entusiástico «Sim», e o assunto ficou decidido ali.
A carreira de Winston em Harrow confirmou a convicção do pai de que o filho não iria longe. Durante os três anos que ali passou, o rapaz nunca deixou de ser dos últimos da turma; foi depois transferido para a Escola do Exército, a fim de se preparar para ser admitido na Escola de Cadetes de Sandhurst. Algumas das cartas que Lord Randolph lhe escreveu são esmagadoras, são mesmo brutais. As da mãe são mais afectuosas, mas reflectem frequentemente o desagrado do pai; poucos rapazes terão recebido dos pais cartas tão pouco animadoras. Por outro lado, o pai estava decidido a colocá­‑lo na infantaria, enquanto Winston preferia a cavalaria; para entrar na infantaria era preciso ter melhores notas do que para aceder à cavalaria, mas a primeira era mais barata que a segunda, e os pais, em especial Lord Randolph, andavam preocupados com as questões financeiras.
O pai tinha rendimentos que lhe vinham das propriedades de Blenheim, e a mulher recebia uma renda do pai; no entanto, estes meios dificilmente davam para cobrir as despesas de um casal da moda na alta sociedade, de maneira que os Churchills não tinham poupanças e as dívidas começavam a acumular­‑se. Winston acabou por conseguir, à terceira e à justa, entrar para Sandhurst, onde depois se saiu bastante bem; mas foi mesmo para a cavalaria – para o 4.º Regimento de Hussardos –, para grande fúria do pai. Por esta altura, porém, Lord Randolph estava a chegar ao fim. Partiu para a África do Sul, na tentativa de fazer fortuna no campo do ouro e dos diamantes; e foi mesmo aconselhado a fazer uns quantos investimentos engenhosos, que lhe poderiam ter rendido verbas consideráveis. Quando, porém, morre, em 1895, a família teve de vender tudo para pagar as dívidas que deixara; por esta altura, tornou­‑se manifesto que Winston teria de prover ao seu próprio sustento.
E a formação que recebera em Harrow veio a revelar­‑se inestimável para a consecução desse objectivo. Não tinha adquirido a fluência em latim e grego que ela proporcionava às mãos cheias; mas aprendera umas quantas citações relevantes em latim e aprendera a aplicá­‑las adequadamente – embora se tivesse apercebido de que o director da escola, o reverendo J. E. C. Weldon (que, na qualidade de bispo de Calcutá, veio depois a ser seu amigo), se encolhia ao ouvi­‑lo, fazendo a mesma expressão que faria mais tarde o primeiro­‑ministro Asquith (um notável classicista) quando ele proferia uma citação em latim nas reuniões do governo. Contudo, se Winston nunca foi um classicista, nem por isso deixou de alcançar algo que foi para ele muito mais valioso: a fluência no inglês escrito e falado, que lhe foi proporcionada pelos três anos passados entre os últimos da turma, com o insistente acompanhamento do professor da língua, Robert Somervell. Winston veio a ser, não apenas competente, mas um verdadeiro mestre no uso da palavra; e adorava as palavras, que foram a corrente verbal em que dava forma aos seus pontos de vista, à medida que ia dando forma à sua maturidade política. Estadista inglês algum apreciou jamais as palavras como ele, ou as utilizou de forma tão persistente como ele para promover a sua carreira e redimi-la em momentos de dificuldade. Por outro lado, as palavras foram a sua principal fonte de rendimentos durante toda a sua vida, desde os vinte e um anos; foi, quase desde o princípio, invulgarmente bem remunerado, e as suas obras acabariam por lhe render, e aos seus herdeiros, quantias prodigiosas. Escreveu milhares de artigos em jornais e revistas, e mais de quarenta livros, alguns dos quais bastante volumosos: a descrição que fez da Segunda Guerra Mundial tem mais de dois milhões e cinquenta mil palavras (note­‑se que Declínio e Queda do Império Romano, de Gibson, tem um milhão e cem mil palavras). Pelos meus cálculos, e incluindo os discursos, terá publicado um total de oito a dez milhões de palavras. Poucos rapazes terão tirado tanto proveito daquilo que aprenderam na escola; neste sentido, a instrução de Winston foi – e ao contrário do que normalmente se pensa – um impressionante sucesso. 


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