Esquerda Caviar (Introdução)

Posted by Hugo Neves on

Introdução

O mundo dito civilizado vive uma crise moral de grandes proporções. Há uma clara decadência de valores em curso, que ameaça a própria sobrevivência do mundo moderno como o conhecemos. As ideias têm consequências, e um conjunto equivocado delas tem minado o progresso e a liberdade individual. 

Por trás dessas ideias, encontramos uma parcela vaidosa, oportunista, acanhada e mimada da elite, que parece só pensar a curto prazo na sua própria imagem. «Vaidade das vaidades, diz o pregador, vaidade das vaidades! Tudo é vaidade». A mensagem bíblica merece a atenção de todos, especialmente no mundo atual, onde vale tudo pela «autoestima».

Nunca antes na história da humanidade vivemos uma era das aparências tão evidente. A fama de «fixe» possui enorme valor emocional e comercial. E a Internet, com as suas redes sociais, é uma máquina de vender imagem, que acaba por potenciar esse sintoma – que não é novo. Mais do que a ação em si, o que importa agora é o tal «marketing do comportamento», o feel good sensation

Isso acabou por resultar numa ditadura velada do politicamente correto, cujos adeptos procuram monopolizar as boas intenções e os fins «nobres», em detrimento do debate sobre os melhores meios para tais metas. Só quem concorda com os seus meios – leia­‑se: sempre mais Estado – defende os pobres, os negros, as mulheres, os gays, o meio ambiente, a paz. 

É a tirania das (supostas) boas intenções, aos cuidados dessas «almas sensíveis». Nas redes sociais, essa gente é chamada de poser, já que tudo se resume ao objetivo de ficar bem na foto. Só eles desejam um mundo melhor.

Essa tendência é sedutora, pois basta abraçar um conjunto de crenças para ser visto como – e para se sentir – uma boa pessoa. Não serão as ações, o comportamento efetivo e a conduta quotidiana a fazer de alguém mais decente e louvável, mas apenas as frases soltas e o pertença a um determinado grupo. Alardear nobres intenções bem alto, eis o principal objetivo. Edmund Burke já havia alertado para isso nas suas reflexões sobre a Revolução Francesa:

 

Porque meia dúzia de gafanhotos sob um campo faz o campo tinir com o seu zumbido inoportuno, ao passo que milhares de cabeças de gado repousando à sombra de carvalhos­‑vermelhos ruminam em silêncio, por favor, não imagine que aqueles que fazem barulho são os únicos habitantes do campo; ou que logicamente são maiores em número; ou, ainda, que signifiquem mais do que um pequeno grupo de insetos efémeros, secos, magros, saltitantes, espalhafatosos e inoportunos.

 

Ou, como resumiu ainda mais Mark Twain, o «barulho não prova nada: uma galinha põe um ovo e cacareja como se tivesse posto um asteroide». Mas fazer barulho é com a esquerda caviar mesmo. O termo tem origem na França (gauche caviar), como não poderia deixar de ser. Mas há análogos na Inglaterra (socialista champagne), nos Estados Unidos (liberal limusine) ou na Itália (radical chic). 

Os artistas e os intelectuais tornaram­‑se nos grandes ícones desse movimento. Todas as causas vistas como nobres são abraçadas por essa gente, que parece infinitamente mais preocupada com os aplausos da plateia e com a própria sensação de superioridade moral do que com os resultados concretos daquilo que prega. 

Salvar o planeta, proteger os índios, cuidar das crianças africanas, enfrentar os ricos capitalistas em nome da justiça social, pagar a dívida histórica com os negros, acabar com as guerras, enaltecer as diferenças culturais, idealizar os jovens, estas são algumas das bandeiras dos abnegados artistas e intelectuais. Os grandes defensores dos fracos e oprimidos contra as «elites» – como se não fossem parte da elite.

Há um pequeno detalhe: normalmente, muitos deles são ricos graças ao capitalismo que atacam; vivem no conforto do ocidente que desprezam; gozam da liberdade de expressão que inexiste na Cuba que tanto proclamam; e desfrutam da paz e da segurança conquistadas pelo poder militar do Tio Sam que abominam. Ninguém melhor que Roberto Campos resumiu o fenómeno:

 

É divertidíssima a esquizofrenia dos nossos artistas e intelectuais de esquerda: admiram o socialismo de Fidel Castro, mas adoram também três coisas que só o capitalismo sabe dar – bons cachês em moeda forte, ausência de censura e consumismo burguês; tratam­‑se de filhos de Marx numa transa adúltera com a Coca­‑Cola...

 

Em português mais claro: a velha e conhecida hipocrisia! A marca registada dessa esquerda caviar, que adora o socialismo do conforto de Paris, que prega uma radical mudança no estilo de vida dos outros para mitigar o aquecimento global, é a antiga máxima «faça o que eu digo, não o que eu faço». La Rochefoucauld disse tudo quando afirmou: «A hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude». 

O exemplo perfeito disso ocorreu em março de 2013, quando a revista Caros Amigos, que vive a defender as bandeiras de esquerda (com bastante verba estatal), demitiu boa parte da redação por causa de uma greve geral. O motivo da greve fora uma drástica redução nos salários, em alguns casos de até 50%. A revista, então, mandou todos para a rua alegando «quebra de confiança».

Nada contra a decisão dos proprietários da revista. Afinal, é preciso sobreviver no mercado, certo? E isso não estava fácil nem com toda a ajuda estatal. Agora, não deixa de ser uma piada a revista, que sempre tomou o partido dos sindicalistas contra a ganância do capital, sentir na própria pele o custo daquilo que ajuda a vender. Viva a CLT? Viva as greves? Só se for para os outros. O jornalista Reinaldo Azevedo escreveu:

 

Espero que os trabalhadores de Caros Amigos recebam ao menos o que lhes pagaria a maioria dos patrões burgueses, que não sonham «com outro mundo possível» porque estão atarefados demais a tentar fechar a folha de pagamento do mundo possível. 

 

A esquerda é mestre na arte de pregar uma coisa e fazer o oposto nas suas vidas privadas. Talvez o melhor exemplo seja a postura em relação às escolas públicas. São sempre defendidas com fervor ideológico, ao invés da receita liberal dos vouchers, postulada por Milton Friedman e que permitiria o acesso dos mais pobres às melhores escolas privadas. 

Mas os típicos esquerdistas não querem saber dessas escolas públicas na prática. Al Gore, Bill Clinton e, sim, até Obama são exemplos de esquerdistas que não pensaram duas vezes: enviaram os seus filhos para caras instituições privadas de elite.

O mesmo vale na altura de cuidar da saúde. Hospital público? Nem pensar! Essa nata da esquerda não coloca os seus pés delicados num hospital público nem que a vaca tussa. Eles tratam­‑se nos melhores e mais caros hospitais privados, e logo depois pregam as maravilhas do Obamacare, da saúde universal, do SUS, que os pobres precisam enfrentar num calvário pela sobrevivência. 

A elite petista, aqui no Brasil, é clientela VIP do Sírio Libanez ou do Albert Einstein em São Paulo, os melhores e mais caros hospitais privados do país. Mas o discurso não muda: a esquerda monopoliza as boas intenções para com os pobres, pois prega a solução estatal... sempre para os outros!

Não há nada errado em querer ganhar mais, em educar a família dentro de certas tradições ou em combater os bandidos, ainda que com a ameaça de uso de violência. A hipocrisia da esquerda, portanto, serve para fazer aquilo que é positivo para o indivíduo, e isso diz muito sobre sua teoria. Se eles de facto seguissem o que pregam, isso sim, seria terrível. Mas o seu intuito é todo voltado para o discurso, para a imagem, e não para as ações concretas.

Para preservar as aparências, apelam constantemente ao uso de «um peso, duas medidas». Basta dizer­‑se de esquerda para ganhar uma espécie de salvo­‑conduto para cair em contradições e ficar isento do mesmo critério com que os outros são julgados. Pertencer à esquerda é suficiente para ficar blindado contra as críticas: como ousa questionar as minhas lindas intenções?

Típico da esquerda caviar é ter a memória bastante seletiva, não recordar as bandeiras e os ídolos defendidos no passado que se mostraram terríveis com o tempo. A autocrítica é algo simplesmente raríssimo quando se trata dessa gente. «Esqueçam o que eu disse», costuma ser o mote da esquerda caviar, para poder pular de galho podre em galho podre como se nada tivesse acontecido. 

Alguns podem pensar que não vale a pena importunar essa gente, que eles são inofensivos. Discordo veementemente. A influência das ideias nos rumos da Humanidade não pode ser subestimada, e esses artistas e intelectuais famosos conferem credibilidade a regimes nefastos. Na era da Internet, o efeito é ainda mais poderoso, por ser viral. 

Quem dava a devida importância aos artistas como instrumentos de propaganda comunista era o próprio ditador Lenine. Ele chegou a afirmar que, «de todas as artes, para nós a mais importante é o cinema». Grigori Zinoviev, líder do Comintern, declarou que os filmes podem e devem se tornar uma poderosa arma da propaganda comunista. 

De facto, há muita gente que «aprende» história com as «betinhas de Beverly Hills», confundindo o proselitismo dos cineastas com factos históricos. Hollywood foi amplamente aparelhada pelos vermelhos, como prova a farta documentação a respeito. Não deveria ser assim, mas o que os artistas famosos falam sobre política acaba por ter
influência nos mais leigos.  

A vitória de Barack Obama nas duas eleições contou com um enorme aparato ligado às celebridades, uma verdadeira máquina de propaganda política. Inúmeros atores e cantores famosos foram mobilizados para «vender» o sonho utópico de que tudo seria completamente diferente com a chegada do «messias» à Casa Branca. Por isso mesmo, expor o abismo entre discurso e prática torna­‑se fundamental para reverter o estrago causado por eles.

Os exemplos de contradições serão tão fartos no decorrer do livro que o leitor ficará surpreso com o atrevimento de muitos ícones dessa esquerda Rolex. Na verdade, a coisa é tão escancarada e impressionante que demanda explicações alternativas. Não é possível reduzir tamanha falta de lógica à pura hipocrisia, ainda que seja uma parte importante da explicação. 

Por isso vamos procurar várias outras origens potenciais desse espantoso fenómeno. O sentimento de culpa comum a uma elite mimada que sempre teve tudo fácil de mais, o puro tédio de uma vida confortável e segura, a covardia moral que leva a uma busca desesperada por aplausos fáceis do grande público, a sede patológica por poder e pelo controlo da vida alheia, a ignorância económica, esses são alguns dos possíveis fermentos da esquerda festiva. 

Começaremos o livro especulando sobre essas origens, e depois mergulharemos nas principais causas abraçadas pelos nossos colegas. Os grandes representantes da esquerda caviar, no Brasil e no mundo, especialmente em Hollywood, onde pululam figuras dessa espécie, serão retratados em seguida. A máscara dos ídolos mais populares vai cair num piscar de olhos.

Antes, porém, gostaria de fazer um alerta em letras garrafais:

 

NÃO DEVEMOS CONFUNDIR A ADMIRAÇÃO À OBRA DO ARTISTA COM A SUA PRÓPRIA PESSOA OU AS SUAS IDEIAS POLÍTICAS

 

Podemos respeitar ou até idolatrar certo músico, sem que isso signifique que as suas ideias políticas devam ser também aceites. Podemos ter aversão à conduta hipócrita de um famoso arquiteto, e ainda assim reconhecer sua importância no seu campo de trabalho. Podemos aplaudir de pé um excelente ator, e logo depois vomitar com o seu discurso tonto. 

Ou alguém aprecia a Miss Universo pelo seu discurso sobre a paz mundial, e não pela sua beleza? Quem foi que disse que atores e músicos são especialistas em economia e clima? Constatemos o óbvio: um canalha pode ser um excelente músico, pintor ou ator, assim como uma mulher com a cabeça oca pode ser linda.

Devemos separar uma coisa da outra. O que será atacado neste livro é a visão ideológica dos artistas e intelectuais da esquerda caviar, assim como as suas contradições entre discurso e prática. Não vem ao caso e nem é do meu interesse criticar as suas obras artísticas ou científicas. Como disse Thomas Sowell em Intellectuals and Society:

 

O passo em falso fatal de tais intelectuais é assumir que a capacidade superior dentro de um campo particular pode ser generalizada como sabedoria ou moralidade superiores sobre tudo.

 

Aldous Huxley, no seu romance Contraponto, coloca num dos personagens um alerta semelhante:

 

Uma das coisas mais difíceis de ter em mente é que o valor de um homem numa esfera determinada não constitui uma garantia do seu valor em outra esfera. A matemática de Newton não prova nada em favor da sua teologia. [...] Platão escreveu maravilhosamente bem, e esta é a razão pela qual muita gente acredita ainda na sua perniciosa filosofia. Tolstoi foi um excelente romancista; mas não constitui isto razão para que deixemos de considerar detestáveis as suas ideias sobre a moral, ou para que sintamos outra coisa que não seja desdém pela sua estética, pela sua sociologia e pela sua religião.

 

Esse alerta é especialmente importante no Brasil. Por aqui, há com frequência essa mistura. Basta o sujeito ser um músico bom que combateu a ditadura para se tornar um grande pensador político. Basta o arquiteto ser mundialmente famoso para que o seu affair com ditadores sanguinários seja esquecido. Até mesmo jogador de futebol famoso acaba por virar sumidade em temas sociais e políticos. 

No Brasil, o fenómeno da esquerda limusine foi agravado durante o regime militar, que criou os «filhotes da ditadura». Qualquer um que foi contra a ditadura, vista como de «direita», já ganhou a estima de grande defensor da liberdade e da democracia. Nada mais falso! Boa parte da esquerda lutava para implantar outra ditadura, como aquela existente em Cuba até hoje. 

Mas bastava ter alguma coragem e desafiar a censura do regime militar, que nem era tão forte assim (ao menos se comparada com a de outras ditaduras, especialmente as comunistas), para ganhar status de profundo intelectual humanista e defensor da liberdade. Foi assim que artistas viraram intelectuais por aqui, misturando os dois lados da moeda. E todo anticomunista acabou por ser confundido com golpista defensor do regime militar.

Muitos ícones de nossa esquerda caviar vieram da MPB, justamente por causa do regime militar. Músicos como Geraldo Vandré e tantos outros ganharam fama de amigos da liberdade só porque desafiaram o regime, mas eles não simpatizavam com a liberdade de facto. Muito pelo contrário. 

Vandré, um dos mais engajados da trupe, via a música como um braço da ideologia, e chegou a atacar virulentamente cantores que não aderiram à causa, como foi o caso de Roberto Carlos, perseguido pelos radicais comunistas. O pianista Arnaldo Cohen, em entrevista recente para a revista Época, constatou que a MPB foi beneficiada pela ditadura nos anos 1960, pois «ganhou uma importância de protesto maior do que teria numa democracia».

Saibamos, então, separar o talento artístico da mensagem política. Feita essa ressalva, mãos à obra. Divirtam­‑se com a gritante hipocrisia dessa trupe que luta por um «mundo melhor», entre um champanhe importado e outro, muitas vezes do alto de seus jatos particulares ou do conforto das suas gigantescas casas. Diabos! Não é fácil ser um revolucionário de botequim chique e um porco capitalista sedento por mais lucros ao mesmo tempo. Mas os nossos colegas da esquerda caviar aceitam o sacrifício...        

 


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