Cartas Amorosas de uma Religiosa Portuguesa (Excerto 1.º capítulo)

Publié par Hugo Neves le

Primeira Carta

 

Considera, meu amor, até que ponto foste imprevidente! Oh!, infeliz, que foste enganado e a mim enganaste também com esperanças ilusórias. Uma paixão sobre a qual tinhas feitos tantos projetos de prazeres não te causa agora mais do que um mortal desespero, só comparável à crueldade da ausência que o provoca. E esta ausência, para a qual a minha dor, por mais que se esforce, não consegue encontrar um nome assaz funesto, há de então privar-me para sempre de fitar esses olhos onde eu via tanto amor, esses olhos que me faziam saborear emoções que me cumulavam de alegria, que eram o meu tudo, a tal ponto que deles só precisava para viver?

Ai de mim! Os meus encontram-se privados da única luz que os animava e só lhes restam as lágrimas; não os tenho usado senão para chorar incessantemente desde que soube que estavas decidido a um afastamento que não posso suportar e me fará morrer em pouco tempo.

Parece-me, contudo, que chego até a prezar as desgraças de que és a única causa: dediquei-te a minha vida assim que te vi e sinto algum prazer sacrificando-a a ti.

Mil vezes ao dia dirijo para ti os meus suspiros: eles procuram-te em toda a parte e, como recompensa de tantas inquietações, apenas me trazem o aviso demasiado sincero da minha triste sorte, que tem a crueldade de não suportar que eu me iluda e que a cada passo me diz: basta!, basta!, infeliz Mariana, basta de te consumires em vão e de procurares um amante que nunca mais voltarás a ver; um amante que atravessou o mar para fugir de ti, que está na França no meio dos prazeres e nem por um momento pensa nas tuas dores; um amante que te dispensa de todos esses transportes, que nem sequer te agradece.

Mas não!, não posso resignar-me a fazer-te a injúria de pensar assim e tenho demasiado interesse em te justificar. De modo nenhum quero imaginar que me tenhas esquecido. Não sou eu já suficientemente infeliz, mesmo sem me atormentar com falsas suspeitas? E por que razão havia de me esforçar por esquecer todos os desvelos que puseste em me testemunhar amor? Tão encantada fiquei com tais desvelos que bem ingrata seria se não te amasse com o mesmo arrebatamento que a minha paixão me dava, quando me era dado gozar os testemunhos da tua.

Como podem ter-se tornado tão cruéis as lembranças de momentos tão agradáveis? E será que, contra a sua natureza, não devam essas lembranças servir senão para tiranizar o meu coração? Ai de mim! A tua última carta deixou-o num lamentoso estado! Tão sensíveis foram as suas palpitações que até parecia fazer esforços por se separar de mim e ir ao teu encontro! Todas estas emoções tão violentas que me acabrunharam a tal ponto que, por espaço de mais de três horas, fiquei desfalecida! Proibia a mim própria regressar a uma vida que devo perder por ti, já que para ti a não posso conservar. Finalmente, e mau grado meu, voltei a ver a luz, e comprazia-me ao sentir que morria de amor. Estava, aliás, bem contente por já não ter de ver o meu coração despedaçado pela dor da tua ausência.


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